Férias em dobro acabaram?
No último dia 5 de agosto de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 501, declarando a inconstitucionalidade da Súmula nº 450 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que determinava que o pagamento das férias (incluída a antecipação do salário dos dias de férias com 1/3) deveria ocorrer em até dois dias antes do início do período concessivo, sob pena de pagamento em dobro. A medida teve repercussão nas decisões judiciais ainda não transitadas em julgado que, amparadas em aludida súmula, tenham aplicado a penalidade no pagamento em dobro.
Tendo sido abolida qualquer penalidade aos empregadores que não pagam as férias em até dois dias antes de iniciar as férias, a partir de agosto de 2022 somente permanece o pagamento em dobro quando as férias forem concedidas fora do prazo que disciplina o artigo 137 da lei federal trabalhista, ou seja, após dozes meses do período concessivo.
Os motivos da declaração de inconstitucionalidade foram pautados no princípio da legalidade e na separação dos poderes, diante da ausência da base legal na legislação federal trabalhista para tal regramento sumular. No entanto, o que se verifica é um verdadeiro retrocesso com essa decisão do Corte Suprema, considerando que a Súmula nº 450 do TST não traduzia violação a nenhum preceito fundamental da República Federativa do Brasil, sob a égide do Estado Democrático de Direito.
O direito social ao trabalho é consagrado como um direito que exige plena efetividade em face do Estado, cuja força motriz é assegurar o bem-estar e a justiça social, a partir da valoração da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, no momento que os contratos trabalhistas são operacionalizados, não devem estar pautados tão somente na letra fria da lei, mas, sobretudo, no que reza a Carta Constitucional da República, nos princípios constitucionais e na jurisprudência trabalhista.
Não obstante, o que se tem observado é que, ante a crise moderna do direito, há um direito “a la carte”, que se utiliza a letra fria da lei em detrimento dos valores basilares do Estado, quais sejam os direitos sociais trabalhistas; sendo a racionalidade o único vetor que tem guiado as relações trabalhistas.
No que toca ao gozo do direito constitucionalmente garantido de férias, ou direito à desconexão, não foi diferente, pois as férias, que visam preservar a saúde e o bem-estar do trabalhador, somente fazem sentido quando há a garantia dos recursos financeiros necessários para que o empregado possa efetivamente usufruir desse período de descanso e lazer. Se a remuneração é paga a destempo, ou seja, após o período de descanso, frustra-se a finalidade constitucional, ficando prejudicada a possibilidade da restauração necessária no aspecto tanto físico quanto mental.
Como corolário lógico desse raciocínio, para a concretude do aludido direito constitucional, se não há o respeito ao comando normativo de pagamento tempestivo e antecipado das férias, a penalidade do pagamento em dobro decorre do descumprimento da obrigação e, portanto, deveria ter sido mantida, pois seu viés era indenizar o empregado pelos prejuízos suportados em decorrência da mora empresarial, finalidade perfeitamente harmonizada com a Carta Constitucional da República.
É por essas razões que se trata de um retrocesso social a declaração de “(in)constitucionalidade” da Súmula nº 450 do TST e a decretação do fim das férias em dobro em caso de não pagamento antes do início do período de gozo.
Francislaine Coimbra é advogada, doutora em Direito e professora na Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Escreveu este artigo em colaboração com os alunos do 6º termo A do curso de Direito da Unoeste.