Cidade coletiva? Para quem?
A afirmativa de que a violência está relacionada aos mais pobres tem naturalizado a propagação da arquitetura hostil. O preconceito e a anulação desses indivíduos têm sido acentuados pela criminalização e a negação da aparência física do espaço urbano que, consequentemente, dá origem a segregação urbana, tirando de cena o direito coletivo à cidade.
A cultura do medo abriu espaço para a chamada arquitetura hostil, o que se materializa em cercas elétricas, muros, grades e dispositivos de vigilância. É desumana, agindo como uma intervenção de limpeza urbana por meio dos bancos antimendigos, espetos e gradis, pedregulhos e até mesmo o paisagismo espinhoso.
É possível classificar os elementos da arquitetura hostil em três grupos: o primeiro abriga os bloqueios que fazem apropriação do espaço público como a utilização de mesas e cadeiras de maneira restrita; o segundo engloba os mobiliários urbanos (vasos de plantas, lixeiras, espetos e esguichos de água) projetados de maneira hostil e que geralmente são colocados em frente ao comércio; e o terceiro, que são as grades (Rosaneli, 2019).
Temos ainda os enclaves fortificados, os quais Caldeira (2000) os definem como espaços privados monitorados. Os condomínios fechados e torres residenciais, com suas arquiteturas militares de muros altos e vários artefatos de segurança, são os maiores exemplos disso. Contudo, os shoppings centers também se encaixam como enclaves porque funcionam como dispositivos de controle social, onde os consumidores são aceitos com base no seu poder aquisitivo.
Os habitantes dos bairros de luxo vão dando outro padrão formal e funcional à arquitetura, que por sua vez, transforma o desenho urbano da cidade. As estratégias de proteção patrimonial são variadas e reproduzem uma arquitetura de caráter medieval/carcerário, por meio de muralhas, por exemplo, mostrando com clareza o medo crescente e a tentativa de escape em relação aos problemas existentes.
Sem dúvidas, a população em situação de rua é a mais afetada, sendo impedida de buscar abrigo no espaço público. O Brasil possui mais de 280 mil pessoas vivendo em situação de rua (IPEA, 2022), e de acordo com dados da Fundação João Pinheiro, em 2019 o déficit habitacional era de 5,8 milhões de moradias. Essa realidade é reflexo do processo de urbanização em curso sem planejamento, que também tem sido marcado pela privatização e fortificação dos espaços públicos.
A dinamicidade dos espaços urbanos não pode ser ignorada. Se a cidade é caracterizada por violência e segregação, é um indicativo de que existem problemas profundos em sua estrutura social; imediatamente é necessário entender o desenvolvimento urbano como mais inclusivo e acolhedor, com políticas integradas de inclusão: desenvolvimento econômico inclusivo, formulação de novas atividades de trabalho e de acolhimento habitacional.
Trata-se de um desafio complexo, contínuo e progressivo, mas indispensável, que exige mudanças em diferentes níveis e áreas de atuação, com a participação ativa de governantes, planejadores urbanos, arquitetos, ativistas sociais e cidadãos em geral. A coletividade, se compromissada, possibilita transformar as cidades em espaços verdadeiramente inclusivos, de uma arquitetura hostil para uma gentil.
Yeda Ruiz Maria é arquiteta urbanista, mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unoeste