A criança no palco da rua
Ouvíamos dos adultos na infância: Cuidado com a rua! Ainda que, ressaltado esta atenção ao sair de casa, ela era palco de brincadeiras diversas, que variavam conforme nossa imaginação e criatividade, muitas vezes não havia limites, e até se estendia à calçada e, sobretudo, o horário. Tínhamos uma naturalidade para correr, pular, esconder, dialogar e brincar; nela formamos parte da nossa cidadania e desenvolvemos habilidades. A rua, embora pouco percebêssemos, não envolvia apenas as situações do brincar, também conhecíamos nossos vizinhos e vizinhas, os comerciantes e as crianças de outros bairros; então havia diálogos e relações cotidianas.
Longe de rememorar o passado para encontrar respostas nele, hoje, qual a relação das crianças com a rua, o bairro e a cidade? Será que elas possuem a mesma habilidade que desenvolvemos sobre a localização dos lugares, noções de segurança e relações de vizinhança? A resposta está na rua, basta pensar quantas crianças vemos nela no nosso cotidiano. É certo que o período da pandemia da Covid-19 alterou nossas relações com o espaço urbano, restringiu nossa circulação, mas essa situação de afastamento não é recente. Viemos de décadas de uma cidade pensada e projetada para adultos, centrada nas relações econômicas, que infelizmente não deu a devida importância para a qualidade de vida dos diferentes grupos sociais.
A partir desse entendimento, que as necessidades das crianças são diferentes dos adultos, vem se repensando como a cidade e a rua podem estimular a vivência deste grupo nos espaços e construir a noção de cidadania, ou seja, colocá-las como protagonistas das decisões, mas sem a perda da infância. Cidades, inclusive no Brasil, estão adotando planos e leis urbanas que visam promover mobilidade, espaços públicos, segurança, infraestrutura e qualidade de vida para as crianças, não adotando somente como pauta a educação à infância.
Essa reflexão sobre o desenvolvimento infantil e sua importância no planejamento urbano, percebemos que deve incluir a participação de uma rede articulada do poder público, universidades e profissionais de diferentes áreas com o intuito de possibilitar que as crianças pontuem suas necessidades. No entanto, este debate não deve apenas restringir à proposição dos planos e leis, necessita da implantação, ou seja, efetivação. A implantação das melhores condições à infância pode começar com pequenas situações, casos modelos, como na rua, e se estender para outros espaços da cidade, sempre em diálogo com cada realidade. É através de tais situações que, possivelmente, conseguirá o retorno das crianças à rua e sua significância como palco da infância, local de aprendizagem da cidadania.
Victor Martins de Aguiar é arquiteto e urbanista, mestre em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, e professor dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Design de Interiores e Gestão Hospitalar da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista).