Quebrando paradigmas
É cediço por todos, inclusive por aqueles que não são operadores do direito, a quantidade de processos que existem em trâmite na Justiça brasileira. Pode-se citar o caso de inventário, ou seja, a passagem de direitos e obrigações deixados pelo falecido aos herdeiros, que era obrigatória a judicialização. Até que em 5 de janeiro de 2007, instrumentalizado pela Lei n. 11.441/2007, essa possibilidade, dentre outras, passou a ocorrer via cartório, por escritura pública, desde que os herdeiros sejam consentes, maiores e capazes, o que acabou ganhando a população, notadamente pela celeridade dos procedimentos, custas e tempo de processamento.
A partir de então, o Código de Processo Civil de 2015, especialmente em seu artigo 610 e parágrafos e o artigo 2016 do Código Civil de 2002, dispõem que para ocorrer o inventário extrajudicial não podem existir herdeiros menores, salvo emancipação, e incapazes; desde que presente o consenso na partilha de bens entre os interessados, e não pode haver testamento ou caso exista o mesmo tenha sido revogado.
Não obstante, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça inovou em sua decisão (REsp 1.808.76), em razão de ter feito uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos legais atinentes e concedeu às partes, a possibilidade de realização de inventário via cartório, mesmo havendo testamento, desde que todos fossem maiores e capazes, privilegiando o interesse e a vontade dos envolvidos, em detrimento da judicialização em massa.
Ora, a exigência do consenso e que não haja interessados menores e incapazes se dá em razão destes merecerem maior proteção e fiscalização, mesmo representados por seus pais e curadores. No entanto, quando a partilha é feita de forma ideal, ou seja, com o respeito a quota parte para cada menor e incapaz, não seria crível submeter o procedimento obrigatoriamente ao judiciário.
Foi por esses motivos, que o Excelentíssimo Senhor Doutor Moisés Harley Alves Coutinho Oliveira, juiz titular da 1ª Vara da Família e Sucessões local, inovou ao julgar procedente o pedido, no processo n. 1012326-18.2022.8.26.0482, para que o inventário ocorresse de forma extrajudicial, mesmo com um dos herdeiros sendo menor de idade e outro incapaz, exatamente porque a partilha se faria de forma ideal, enfatizando a necessidade de quebra de paradigmas: “Judicializar questões cuja segurança jurídica pode ser preservada aos interessados, desde que tomadas as devidas cautelas, vai de encontro com os avanços obtidos na seara do Direito Processual contemporâneo, sendo corolário do corpo legal, a criação da norma jurídica tendente a contemplar a satisfação do direito pretendido”.
Trata-se, portanto, de mais uma decisão pioneira, que o escritório Strasser e Coimbra advogados associados divide com a população e que deverá servir de inspiração aos demais operadores do direito, assim como ao Poder Legislativo, para proceder a modificação da Lei nº 11.441/2007, tornando dispensável o processo judicial quando as partilhas ocorrerem de forma ideal, ainda que haja algum interessado menor ou incapaz.
Rangel Strasser Filho é advogado e especialista em direito público e privado.
Francislaine Coimbra é advogada, doutora em Direito e professora na Unoeste (Universidade do Oeste Paulista)